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BLUE TRAVEL No. 23 | MAIO 2005



TODOS OS TEXTOS © BLUE TRAVEL | KATYA DELIMBEUF

Panamá
Bastimentos
A ilha virgem

Bastimentos parece o pedaço de terra onde Robinsoe Crusoe deu à costa – e temos direito a ‘náufrago’ e tudo... Em estado selvagem e praticamente deserta, a paisagem naturalmente preservada e a escassa presença humana fazem desta ilha um ‘must’ na sua estada no Panamá. O barco aproxima-se, deixando aperceber uma vegetação selvagem e abundante, não ‘colonizada’ pelo homem. Águas transparentes em tons de turquesa dão-nos as boas-vindas, juntamente com as palmeiras e os coqueiros… e um homem. Aportamos na Praia Polo, assim baptizada pela presença deste caribenho de 62 anos, que aqui vive, sozinho, porque assim escolheu. Afinal há um Robinsoe Crusoe nesta ilha que parece deserta, mas é um náufrago voluntário. O «Rei da Praia», como Polo gosta de se intitular, é sem dúvida um personagem que vale a pena conhecer, pelo colorido e pela «loucura». Não terá com certeza muitas oportunidades de se cruzar com «náufragos voluntários» ao longo da vida… Polo dá de comer aos que aportam na ‘sua’ praia - peixe pescado por ele, arroz com lentilhas e leite de coco, ou «bushrats» caçados na selva, de vez em quando. Também vende cerveja a um dólar e sangria. As brasas estão sempre acesas e as pessoas servem-se directamente na ‘cozinha’, um conjunto de tábuas de madeira encimadas por chapa metálica, onde folhas de mangueira conservam o calor dos alimentos nas várias panelas. Os mais ‘puristas’ poderão ter receio de experimentar, mas a comida é boa…! Afinal, todos os dias chegam 3 a 4 lanchas carregadas de pessoas com fome – e são muitos anos a cozinhar.

Polo garante que nunca foi tão feliz como desde que vive aqui. Construiu uma casa de madeira, e assim vive há 40 anos, sem luz eléctrica nem água canalizada. Passa o dia a fumar e fala alto, em «wari-wari», uma espécie de «patois», um inglês duro e estranho - mas são os seus modos. A Praia de Polo é uma das três que existem em Bastimentos, juntamente com a Praia Primeira (a primeira que se avista), e a Red Frog Beach, assim chamada por causa das pequenas rãs vermelhas que ali há e que são características desta zona. Na Praia de Polo, pode fazer ‘snorkelling’, mas se quer uma experiência submarina absolutamente inesquecível, não deve perder as ilhas Zapatillas, uma reserva natural. Paga 10 dólares para entrar, mas são mais que bem empregues. Aí, não há qualquer vestígio humano, e a praia é perfeita para passar longas tardes estendido no areal ou de molho nas belíssimas águas turquesa. É ao largo de Zapatillas que se esconde o seu maior tesouro – a sua paisagem sub-aquática. Vá com quem sabe, porque não é um local fácil de encontrar sem referências de bordo. Depois, prepare-se para entrar noutra dimensão… É como se chegássemos a outro universo, cheio de abismos, colinas e vales de corais fabulosos, anémonas e peixes de todas as cores e tamanhos – azuis às bolinhas, amarelos, vermelhos, verdes. Prepare-se e traga uma máquina fotográfica sub-aquática. Verá que não ser arrepende.

Como dizíamos, em Bastimentos, são ainda poucas as marcas do homem – e ainda bem. Quer dizer… A tentação do negócio é irresistível para os americanos, que conseguiram aprovar em Red Frog Beach um projecto megalómano para 500 camas, completamente avesso ao espírito da ilha. Felizmente para nós, ambos os sítios onde ficámos são muito simpáticos e recomendam-se. «O Limbo on the Beach» é uma casa de madeira em cima da areia, com um divino mar chão pela frente e uma praia ‘privada’ até onde a vista alcança. Com apenas seis quartos, quatro dos quais virados para o mar, tem redes que convidam à preguiça nos terraços e um pormenor muito agradável: os quartos têm ‘janelões’ enormes, de frente para o mar, recortados na madeira, mas sem vidro – por isso, o barulho das ondas e a brisa do mar entram quarto adentro. A toda a volta, há um jardim de coqueiros e por trás, selva. A praia tem tantas conchas que se tropeça nelas, literalmente. São tantas, e tão bonitas, que será preciso uma disciplina marcial para não as trazer consigo…

Ao ritmo da natureza
Em frente à casa, uma passadeira de madeira entra mar adentro, formando, a meio, um alpendre com quatro redes, bancos e duas mesas. Este é o lugar para ver o pôr-do-sol: deitado na rede, de frente para o astro rei, até ele submergir. O estilo do Limbo é bem mais rústico que o do Punta Caracol, com madeiras menos nobres, menos bem tratadas, mas permite uma experiência mais inserida na natureza – com os pés na areia. Marjorie, a cozinheira negra de formas generosas que nos trata a todos como filhos, é quem confecciona as refeições - sanduíches ao almoço e comida caseira ao jantar. Às 18h30 (‘horário Marjorie’, que coincide com o fim da luz do dia), estamos sentados à mesa por baixo das palmeiras, a jantar um peixinho refogado, com arroz e salada.

A inserção na natureza é de tal modo que não há água quente – os duches são forçosamente rápidos – nem luz eléctrica. Por isso, quando o gerador é desligado, às 22h, o sono é a única hipótese. No dia seguinte, a luz da alvorada será o despertador natural… Deito-me com o som das cigarras e do mar nos ouvidos, que a brisa traz. Não há dinheiro que pague isto… E que vista, ao acordar!

A uns quinze minutos de marcha, fica o Al Natural, um ‘resort’ totalmente imerso na selva, com oito ‘bungalows’, três dos quais de luxo. É um projecto muito bem conseguido, com materiais 100% ecológicos, que recorre à energia solar e ao aproveitamento da água da chuva, e com pormenores de bom gosto nos acabamentos das cabanas, sem portas nem janelas. Na cabana maior, que é o restaurante, uma mesa comunal acolhe todos os hóspedes (num máximo de 20) às refeições, com assumido requinte gastronómico. «A ideia é que as pessoas se sintam em casa», explica Nathalie, uma franco-brasileira que trocou Paris, onde era directora criativa numa agência de publicidade, pelo Panamá, e faz as folgas de Vincent, o chef. Tanto um como outro presentearam-nos com refeições dignas de registo. Nathalie brindou-nos com sopa de abóbora com cuminho e leite de coco, dourada com molho de natas e laranja acompanhada de arroz de açafrão com legumes, e bolo de chocolate com creme inglesa. Vincent revelou as suas artes culinárias com Coquilles St Jacques e puré de ervilhas, e lagosta grelhada com molho de manga. De babar e chorar por mais…

O conceito por trás do Al Natural é o «quality laid-back», explica Michel Nathalis, o proprietário, um belga que se mudou para aqui há oito anos. Pessoas que sabem apreciar as coisas boas da vida, inseridas num contexto natural, sem horários nem stresses. A história de Michel é interessante. Este ex-advogado de sucesso vivia em Nova Iorque desde os 25 anos, até que, aos 32, achou que ou fazia aquilo o resto da sua vida ou conseguia algo melhor. Começou então à procura de um sítio. Andou oito meses pelo mundo – viu a Tailândia, a Índia, Madagáscar, as Seychelles, as Maurícias… Veio para a América Central, foi a Trinidad y Tobago, ao Belize, Honduras, Costa Rica. O Panamá foi o último destino – e o final. Aqui, Michel foi obrigado a fazer tudo do zero e demorou quatro anos a pôr o projecto de pé. Vincent, o chef, juntou-se a ele pouco depois, há sete anos. Pelas suas características físicas – Michel é pequeno e magrinho, com rabo de cavalo, Vincent grande e forte, de contagiante gargalhada sonora –, costumam chamar-lhes… Astérix e Obélix.

Foi a obstinação e paciência de Vincent que permitiu que hoje, os hóspedes possam partilhar a fabulosa experiência de dar de comer aos «night monkeys», macacos nocturnos com auréolas escuras em torno dos olhos, que vêm comer à nossa mão…São muito pequenos e delicados, têm caudas longas e sedosas, e pegam com muito cuidado nos pedaços de banana que lhes damos. A ‘fotografia’ das estrelas neste céu, ou o rasto das algas luminescentes na água, na cauda do barco, são algumas das outras recordações que levamos deste sítio fantástico. Podemos estar no ‘fim do mundo’, incomunicáveis, mas estamos bem perto da origem…
A viagem termina em beleza no táxi de regresso ao aeroporto: o rádio toca «Don’t worry about a thing…», de Bob Marley, e os quatro passageiros, apanhados em sítios diferentes, cantam em coro, enquanto dizem «até breve» ao estilo de vida panamenho… «Caribe no stress». Panamá forever…

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Guia Bastimentos

Onde ficar

El Natural
Ilha Bastimentos
Tel: 507 623 22 17
5 cabanas, 3 de luxo: preços de 72¤ a 150¤ /noite
Fecha em Maio e Junho
www.bocas.com

El Limbo on the Beach
Punta Vieja, Bastimentos
Em cima da praia, com uma enorme extensão de areal
6 quartos, 4 com vista mar e terraço com rede
Preço: 50¤ /noite, com três refeições incluídas
www.ellimbo.com

Onde comer

El Natural

Limbo on the Beach

O que ver

Praia Polo

Red Frog Beach
Zapatillas (snorkelling obrigatório!)
Salt Creek ou Cedar Creek (aldeias índias)

Onde saír
Blue Monday (às 2ªs), no centro de Bastimentos